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J. C. Ismael

Louis Aragon: cent ans

Publication originale: Jornal da tarde (Supl. Caderno de sábado)
27.09.1997


"Eu estraguei a minha vida, isso é tudo." Com um artigo cheio de ressentimento e marcado pela desilusão e amargura, publicado em 1972, Louis Aragon ensaia a despedida dos leitores. Escreve cada vez menos, quase nada para os jornais, mas surpreende os leitores com a publicação de Théâtre/Roman, dois anos depois, e Les Adieux et autres poèmes poucos meses antes de morrer, em 1982, na noite da véspera do Natal. Ele gostava de propor jogos obscuros aos leitores, e é provável que, ao declarar que a sua vida é uma ruína, quisesse dizer exatamente o contrário. Quem escreveu uma obra polêmica, que ocupa mais de quarenta volumes, pode sentir-se frustrado? Mas também é possível que o significado de ter uma vida arruinada escape, em casos como esse, às pessoas comuns, cujos assuntos que lhes ocupam a velhice são as doenças reais e imaginárias e as peraltices dos netos. Aragon tem algo que ver com esse estereótipo? Claro que não. Se não estivesse fazendo uma boutade, ele se queixava provavelmente não de ter feito pouco, mas de não ter feito tudo o que desejava. Jamais saberemos e isso pouco importa, mesmo porque falar de uma vida, a partir do seu crepúsculo, seja o de um gênio ou do aposentado entorpecido pelo ócio, só se justifica se esse momento dramático, que precede a chegada das trevas, servir para o batido recurso do flash-back.
Voltemos, portanto, no tempo, há exatos cem anos: em 3 de outubro de 1897, filho de pai desconhecido, nasce Louis Aragon em Neuilly-Sur-Seine. A mãe, dona de uma pensão, não assume publicamente a criança como seu filho, mas como um irmão cuja criação lhe fora confiada, e o entrega à tia e à avó para ser educado. O segredo só vai ser descoberto por ele muitos anos depois. Essa confusão de figuras femininas superpostas e embaçadas causa-lhe profundo estrago emocional, que seus poemas de amor traduzem como uma ferida exposta e dolorida, sem esperança de cicatrização. "Não existem amores felizes", um dos seus versos mais famosos, anuncia também um daqueles paradoxos de que se alimenta a condição humana: o sofrimento, mais que as efêmeras alegrias de quem ama sem esperar recompensa, é que tiraniza as histórias de amor, seja qual for o objeto delas.
Aluno pouco aplicado do liceu de Neully, Aragon passa a maior parte do tempo escrevendo poesia e contos, pouco se interessando pelo estudo formal. Mesmo assim termina o curso secundário em 1914. Começa a Primeira Guerra e, para evitar a convocação certa, ingressa na faculdade de medicina, mas o recurso apenas retarda sua convocação, que ocorre no ano seguinte, em que é mandado para Val-de- Grâce. Lá, conhece André Breton, que o apresenta a Philippe Soupault. A amizade entre eles é consolidada pela partilha do gosto pela insolência, subversão, transgressão e cinismo, como única maneira de denunciar tudo o que se faz em nome da arte, mas que serve apenas para referendar a mesmice da chamada vida real. No verão de 1918, Aragon é mandado ao front. É dado como morto,mas reaparece e é condecorado por atos de bravura. Estacionado no Sarre, começa a escrever Anicet ou le Panorama, uma mistura de história policial com romance de idéias, publicado em 1920, alguns meses depois de Feu de Joie, poemas de experimentação da emergente "escrita automática" somada à indisfarçada influência de Appolinaire, o primeiro a usar o termo surrealista no comentário à própria peça As Tetas de Tirésias.
Em março de 1919 aparece o primeiro número da revista Littérature, fundada pelos três jovens contestadores, ansiosos por dinamitar o que havia de pré-estabelecido e petrificado na cultura francesa, e por extensão, na cultura ocidental. Começam a ironizar pelo nome da publicação, escolhido por Paul Valéry, adotado para "zombar" das veleidades literárias da época, furiosamente atacadas em frases ácidas como a que Soupault atirou na cara dos conformistas: "a literatura existe apenas no coração dos idiotas". A revista, que a duras penas consegue sobreviver até 1924, desempenha importante papel no nascimento do dadaísmo, movimento de que se torna, a partir do número 13, uma espécie de porta-voz. Porém, o namoro dos três com o dadaísmo azeda em 1920, e durante três anos eles procuram algo que "estava no ar" sem saber muito bem o que seria, embora com Les Aventures de Télemaque, publicado em 1922, Aragon já se mostra um pré-surrealista ao contar, com colagens e devaneios, a história do filho único de Ulisses. Breton e Soupault praticam a escritura automática (da qual se arvoram descobridores, embora ela já fizesse parte da terapia psicanalíca, com o objetivo de libertar a expressão literária de qualquer influência cultural e subjetiva. Pretendem libertar uma nova espécie de inspiração, a que vem do subconsciente por meio de sonhos, da hipnose e do livre fluir de idéias, por mais desconexas que fossem: nasce o surrealismo, e com ele uma revolução na expressão artística que a revitalizou menos pela curiosidade popular, do que pelas irados ataques da crítica conservadora.
As relações de Aragon com o surrealismo, porém, não são tranqüilas, e embora ele já tivesse restrições contra o cego ímpeto anarquista dos dadaístas, a idéia de uma literatura menos destruidora, mas perigosamente próxima da improvisação, poderia levar a autêntica expressão literária a ser confundida com qualquer coisa, por mais absurda que fosse, que viesse à cabeça do escritor. Mas nem por isso despreza o universo onírico, presente no lirismo narrativo de Une Vague des Rêves, de gênero indefinido (publicado em 1924, no mesmo ano de Le Libertinage, reunião de textos esparsos, contos e peças de teatro), em que elege o "maravilhoso" como a única forma de escapar das misérias da vida diária e do qual são arautos "sonhadores" como Paul Éluard, Man Ray, Antonin Artaud, René Crevel. As agitações nacionalistas contra a dominação franco-espanhol, que levam o Marrocos à guerra em 1925, ganham apoio da Terceira Internacional e a conversão de muitos intelectuais ao comunismo, entre eles Breton e Éluard. Apesar de assiduamente catequizado pelo amigo, Aragon só adere à ideologia marxista em 1927, mas com tanta fé que lhe permanece fiel o resto da vida (ao contrário dos amigos, cuja maioria permanece no PCF poucos meses), questionando-se se deveria abandonar a política para se dedicar integralmente à literatura. Na dúvida, ficou com as duas e, para ratificar a coerência política, abandona mais tarde a "alienação" do surrealismo, chegando a confessar-se arrependido de ter participado do nascimento daquela aventura.
O ano de 1926 é marcado pelo lançamento de O Camponês de Paris (veja quadro), texto que é um dos marcos da literatura surrealista, mas também o que serve para Aragon preparar a despedida do movimento. Seu "assunto", se é que podemos chamá-lo assim, é Paris, não como cenário ou pano de fundo de uma história, mas como personagem "histórico" que transita entre o fantástico e o maravilhoso, conduzindo o leitor pelas suas passagens e complexo urbanístico, como numa cerimônia de iniciação à mágica misteriosa daquela cidade que, como observa Flávia Nascimento, competente tradutora da edição brasileira, "enquanto 'natureza viva' é apreendida como renovação perpétua de movimentos diversos...é [Paris] a grande tela em que se projetam de forma espetacular as energias niilistas que regem o nosso mundo." Mas 1926 é também o ano em que Aragon conhece Nancy Cunard, quando ainda lambe as feridas de dois amores desfeitos, uma jovem parisiense temperamental, problemática e intelectualizada, ou seja, perfeita para quem não esperava nada menos que isso de uma mulher. O relacionamento dos dois, que lhe inspira improváveis poemas de amor reunidos irônicamente com o título La Grande Gaité, (1929), é marcado por raros momentos de alegria que acabam soterrados pelos constantes terremotos domésticos. Eles o abalam tanto que queima os originais de um romance de cerca de duas mil páginas e tenta o suicídio durante uma viagem a Veneza. Mas Aragon, como tantos outros escritores, possuía a genialidade de transcender as mazelas do cotidiano, transformando-as em expressão artística: Nancy foi apenas mais um pretexto -- ou metáfora -- para ele declarar seu amor à linguagem, à poesia e à França.
Assopradas as cinzas em que se transformou sua convivência com Nancy, em fins de 1928 Aragon conhece Elsa Triolet, jovem escritora e tradutora russa que acompanha o cunhado Maiakóvsky numa viagem a Paris. Em pouco tempo Elsa separa-se do marido, André, e passa a viver com Aragon. Incentivada para a carreira de romancista por Máximo Górki, deixou uma obra datada e esquecida, embora na época tenha feito sucesso entre a esquerda européia com suas histórias sobre o destino melancólico das sociedades sem uma ideologia política que privilegie os oprimidos . Em 1930 os dois vão à ex-União Soviética para participar da II Conferência Nacional dos Escritores Revolucionários em Carcóv, então capital da Ucrânia. A participação de Aragon no congresso é tumultuada. Mesmo tendo abandonado o surrealismo, ele tenta, certamente pensando nos amigos distantes, defender o movimento, abominado pelos teóricos da literatura proletária. De volta a Paris, publica Front Rouge, uma elegia à revolução de 1917, e que o torna réu de um processo judicial sob a acusação de incentivar a desobediência civil. Breton & Cia., embora em desacordo com a posição radical de Aragon, defendem-no publicamente e Breton vai além: publica Misère de la poésie -- L'Affaire Aragon devant l'opinion publique, um panfleto confuso em que defende a posição política do amigo afirmando, por um lado que não se pode ler poesia ao pé da letra, pois ela lida com símbolos e metáforas e, por outro, que ao legitimar a ação, a literatura estaria cumprindo um dos seus papéis, mas não o principal.
Aragon, que esperava uma defesa mais contundente de si e do PCF, rompe de vez com os surrealistas e enquanto Breton mantém um namoro relutante com o trotskismo, adere de corpo e alma ao comunismo ortodoxo em 1936, depois de três viagem à ex-URSS. Lá vigora o dogma do truculento secretário do PC da ex-Stalingrado e criador do temido Cominform, André A. Jdanov, para quem era inadmissível pensar em qualquer espécie de prazer estético que não estivesse subordinado à causa socialista. É difícil imaginar que um intelectual do porte de Aragon, para quem a liberdade de expressão é um dogma (que inclui não só o que escrever, mas como escrever), possa ter-se encantado com o barbarismo ideológico de Jdanov. Seus biógrafos, Pierre Daix à frente, aceitam a contradição como parte da personalidade artística multifacetada do escritor combinada com uma surpreendente ingenuidade política, a ponto de acreditar que no regime soviético os artistas criavam obras engajadas porque elas exprimiam o que realmente sentiam, jamais porque refletiam a intolerância do estado com relação à "arte burguesa." Durante sua permanência em Moscou, estoura a guerra civil na Espanha. Intelectuais de esquerda do mundo todo alistam-se para lutar contra o fascismo, mas Aragon prefere aceitar o convite de dirigir, com Richard Bloch, Ce Soir, jornal que o PCF prepara-se para lançar. O primeiro número sai em março de 1937. Em 1940, ano em que é convocado para as trincheiras, é afastado do jornal por discordar do apoio do Komintern ao pacto germano-soviético, só reassumindo o cargo em 1947. Aragon detestava que se tocasse nesse assunto, que chamava de "aquela história antiga", mas é fato que não conseguiu absorvê-la, mesmo porque os acontecimentos que se seguiram lhe deram razão.
Desmobilizado em 1941, passa a viver na clandestinidade, sempre na companhia de Elsa, e a militar na resistência, defendendo a idéia de que a maneira mais eficaz de um intelectual enfrentar o inimigo opressor é tornar-se uma espécie de contrabandista e praticar sua arte de forma velada, secreta. Recorre, então, à expressão poética provençal e às trovas do amor-cortês como forma de luta contra o nazismo: muitos dos poemas reunidos em Le Crève Coeur (1941), Les Yeux d'Elsa (1942) e Diane Française (1945) integram o ciclo da poesia da resistência e da glorificação do nacionalismo, malvista pela crítica conservadora da época que chama as obras como "de circunstância" e o autor, mero porta-voz da ala mais radical do PCF. As coisas, porém, não são simples, mesmo porque há nos seus escritos um fato irrecusável: um talento e uma criatividade que ultrapassam a banalidade da mensagem panfletária. E como que para responder aos que o acusam de falta de criatividade, publica em 1945 Aurélien, uma das mais belas histórias de amor da literatura ocidental. É também nesta época que retoma os experimentos com a linguagem, uma das suas mais fortes paixões, ficando famosa a exclamação que gostava de repetir: "Eu amo a linguagem, a maravilhosa linguagem, eu deliro com a linguagem!" ou "A linguagem é a imagem que tenho de mim como um ser em progresso."
Durante a guerra, Aragon encontra-se com antigos amigos da época em que o surrealismo fôra eleito como a salvação da literatura, e rompe definitivamente a antiga amizade com Drieu la Rochelle, acusado de colaboracionismo, poucas semanas antes de ele se suicidar, em março de 1945. Terminado o conflito, a inteligência francesa pergunta-se que lições tirar de tanto sangue derramado e principalmente da humilhação da ocupação. Aragon, além dessas, tem outras preocupações: aprofunda seu interesse pela linguagem como força capaz de mudar os rumos da História, idéia que serve de base para os experimentos com o tempo e memória nos romances La Semaine Sante (1958) e La Mise à Mort (1965), e dedica-se a escrever o romance Les Communistes, sobre a militância da esquerda na França ocupada. Publicado entre 1949 e 1951 em cinco volumes, é uma espécie de continuação da série dos cinco romances de "Le Monde Réel", cujo primeiro, Les Cloches de Bâle (l934), deslumbrara os leitores pelo realismo da história e pelo ritmo frenético em que ela se desenvolve. O surgimento da guerra fria faz com que Aragon aprofunde suas convicções comunistas, defendendo as teses jdanovianas da literatura a serviço exclusivo da causa comunista, mas os sinais que dá em público começam a ser diferentes do que diz aos amigos, quase como se estivesse prevendo a barbárie que seria revelada ao mundo durante o processo de desestalinização. Os acontecimentos da Primavera de Praga, em 1968, fazem-no renegar seu passado de militância, mas não faz o mesmo com os livros em que defendera a ideologia comunista, como se eles tivessem sido uma aventura exclusivamente literária.
O poeta da irreverência, do ambíguo e da memória, o incansável arqueólogo dos sítios do real atravessa a década de sessenta isolado e melancólico. Muitos dos amigos haviam morrido e já não encontra encanto em quase nada. Ele responde aos que esperavam seu testamento intelectual e literário com a publicação, em 1963, de Le Fou d'Elsa (1963), um longo poema, quase uma epopéia, ambientado em Granada durante os últimos anos da ocupação moura, no qual enxerta visões de acontecimentos e de personagens "futuros", ou seja, do seu tempo, do tempo de Elsa. Após a morte da companheira, em junho de 1970, seu isolamento é quase total. Numa série de depoimentos que faz para a televisão francesa, aparece mascarado. Para Daix, foi mais uma das "excentricidades do velho colegial". Seria isso? Divaguemos: é possível que o artífice de enigmas, materializando-se no seu personagem predileto, quisesse dizer que tanto na arte, como na vida, a máscara mais revela do que esconde.

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J.C.Ismael é jornalista. - J.C.Ismael est journaliste


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